Artesanais esperam lei há 20 anos, e podem não gostar do resultado
- Nathália Paloschi
- 26 de ago. de 2015
- 4 min de leitura

Os estabelecimentos de produção artesanal e caseira de cervejas aguardam há duas décadas a sua tão sonhada regulamentação. Se o segmento se mobilizar de forma tardia e desfocada como na discussão sobre a possível inclusão no Simples, porém, corre o risco de ver aprovado outro projeto que, em vez de favorecer sua expansão, irá limitá-la.
A regulamentação era uma exigência da Lei nº 8.918/94, sancionada pelo então presidente Itamar Franco, que revogou a antiga Lei nº 5.823/72 – esta assinada pelo ditador militar Emílio Garrastazu Médici.
Seu artigo 11 previa o seguinte:
"O Poder Executivo fixará em regulamento, além de outras providências, as disposições específicas referentes à classificação, padronização, rotulagem, análise de produtos, matérias-primas, inspeção e fiscalização de equipamentos, instalações e condições higiênico-sanitárias dos estabelecimentos industriais, artesanais e caseiros, assim como a inspeção da produção e a fiscalização do comércio de que trata esta lei".
A lei foi enfim regulamentada, três anos depois, pelo Decreto nº 2.314/97. A definição sobre as artesanais ficou na promessa. O parágrafo 4 do artigo 36 repetia com outras palavras o reconhecimento da necessidade de haver determinações legais específicas para as cervejarias não industriais:
"O Ministério da Agricultura e do Abastecimento fixará em ato administrativo normas complementares para instalações e equipamentos mínimos ao funcionamento dos estabelecimentos previstos neste artigo, inclusive os estabelecimentos artesanais e caseiros".
O "ato administrativo" trazendo as tais "normas complementares" não veio em seguida, como esperado.
Mais 12 anos se passaram. O Decreto nº 2.314/97 foi revogado e substituído, pelo Decreto nº 6.871/09. O dispositivo mencionando a regulamentação dos produtores artesanais e caseiros foi removido e caiu no esquecimento por mais três anos.
Até que, em julho de 2012, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) começou a discutir essas regras internamente e com parlamentares.
Apesar disso, o Ministério lançou, no fim do ano, uma consulta pública na Portaria nº 142, que oferecia uma proposta de Instrução Normativa para as bebidas caseira e artesanais (além da cerveja, cachaça, aguardentes, polpas de frutas, sucos, água de coco, néctares, refrescos e "mais bebidas").
Diversos trechos – analisados pelo advogado Mauricio Beltramelli no site Brejas – fizeram com que o texto fosse severamente criticado por representantes do segmento artesanal. A Instrução Normativa permaneceu sem número e sem data. Mas parte dela está lentamente se encaminhando para virar lei.
No Congresso, as produções artesanais acabaram sendo abordadas em projetos diferentes, segundo fontes ligadas a parlamentares, por sugestão do próprio Ministério da Agricultura. O projeto foi aprovado dos "vinhos coloniais" foi aprovado na Câmara e no Senado, foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff e virou a Lei 12.959/2014, em 19 de março.
Estabelece que a produção de vinho deve ser de no máximo 20 mil litros por ano e estipula que no mínimo 70% das uvas utilizadas sejam colhidas na mesma propriedade. Também prevê o que o comércio seja realizado dentro das propriedades e em feiras, cooperativas e associações de produtores. O deputado garante que o texto contempla 3 mil produtores.
O Projeto de Lei nº 5.191/13, do deputado Rogério Mendonça, o Peninha (PMDB-SC)pretende estabelecer as necessárias regras para a cerveja. O texto foi apresentado pelo deputado Peninha em 20 de março de 2013, entrando em regime de tramitação ordinária. São três artigos, sendo que o último é o obrigatório "Esta lei entra em vigor na data de sua publicação". O segundo artigo é dividido em três parágrafos.
O artigo 1º estabelece como artesanal o estabelecimento que produzir até 30 mil litros por ano, ou seja, 2,5 mil litros por mês – o mesmo previsto no texto da consulta do Mapa, não por acaso.
O artigo 2º, que o ministério da Agricultura fará o registro dos estabelecimentos.
Seu primeiro parágrafo determina que o registro será condicionado ao cumprimento de "exigências higiênico-sanitárias e de qualidade". As cervejarias também terão que comprovar, periodicamente, que estão abaixo do volume limite.
O segundo parágrafo, que o ministério terá "simplificar os procedimentos e adequar suas exigências às finalidades e dimensões que caracterizam a produção artesanal".
O terceiro, que a inspeção e a fiscalização da produção da cerveja artesanal deve ser "prioritariamente orientadora", considerando que o estabelecimento só pode ser multado na segunda visita que se verifique a irregularidade.
Fica a dúvida: que fatores caracterizam, exatamente, a produção artesanal? É uma simples questão de volume de produção? Nenhuma outra "caracterização" do que seria cerveja artesanal é apresentada em qualquer um dos textos legais a respeito.
No caso do vinho, teve a origem da matéria-prima. Mas o Brasil não tem plantações de lúpulo (que necessita de clima ameno) e produz somente tipos básicos de malte de cevada – mais por falta de demanda, até, que de capacidade das maltarias nacionais.
A cerveja caseira – elemento que impulsionou toda a revolução artesanal nos Estados Unidos a partir da década de 1980 –permanece "fora da lei". É mencionada apenas na justificativa, de passagem.
A justificativa do deputado, aliás, começa razoavelmente embasada e cuidadosa nos aspectos históricos e científicos – como deve ser quando se fala nos primórdios da cerveja, sobre os quais só se dispõem de indícios muito frágeis que raramente permitem afirmações categóricas, ou que permitem afirmações categóricas muito limitadas.
Em seguida, vêm as obrigatórias estatísticas do grupo Barth-Haas, fonte bastante confiável à qual recorro bastante, que posicionam o Brasil entre os principais mercados, e faz um afago nas artesanais que "a partir dos diversos estilos e aromas, conquistam cada vez mais admiradores no País".
Mas, depois de expor a lacuna legislativa que pretende sanar. Não é mostrada nenhuma fundamentação para o número do volume máximo de produção. O mesmo ocorre no texto da consulta pública do Mapa na Portaria nº 142. Nenhuma base de cálculo é apresentada para justificar os patamares de produção.
Em 4 de abril, por despacho da Mesa Diretora da Câmara, o texto foi encaminhado a publicação, para ser enviado às comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A CDEIC acusou o recebimento no dia 8 do mesmo mês.
Dez dias depois, foi designado relator do projeto na comissão o deputado Sebastião Bala Rocha (PDT-AP). No dia 19 de abril, ele abriu prazo de cinco sessões ordinárias para emendas ao projeto, a partir do dia 22 do mesmo mês. Em 9 de maio, encerrado o prazo, nenhuma emenda foi apresentada. O texto foi devolvido à Mesa sem alterações.
A Comissão de Constituição e Justiça analisará se algum dispositivo da lei entra em confronto com regulamentos anteriores, e, principalmente, se viola algum dispositivo da Carta Magna. Depois, o assunto deverá ir ao plenário.
Fonte: http://blogs.oglobo.globo.com/dois-dedos-de-colarinho/post/artesanais-esperam-lei-ha-20-anos-podem-nao-gostar-do-resultado-537208.html
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